19 / De Manaus a Iquitos. (Parte II)




25/02/2007 – Domingo


Quando começava minha leitura matinal, confortavelmente instalado na rede amarrada na popa do barco, uma voadeira com três tripulantes se aproximou. Um deles num português difícil de entender perguntou se Jean Michel Cousteau estava a bordo.

Eles eram da equipe do nadador esloveno Martin Strel, que está nadando o rio Amazonas, desde próximo a nascente no Peru até a foz em Belém. Sempre em direção a leste. Descendo o rio. Havíamos passado por ele há poucos minutos, mas não o vimos pois ele vinha descendo pela outra margem. Aqueles três eram parte da equipe dele.

Imediatamente, soltamos o Mark 5 e fomos até o encontro desse maluco. Quem nos recebeu no barco de apoio da equipe dele foi o Sr. Miguel, um simpático empresário de Manaus que eu já conhecia. Ele é dono de um flutuante no rio Cueiras onde realizávamos algumas pesquisas meses atrás. Infelizmente não o reconheci naquele momento.

A equipe é enxuta, talvez sete pessoas. Impressionante é o sistema de internet móvel montado no barco. Ele permite até a transmissão de vídeos do meio do rio Amazonas, aproximando o nadador com um possível espectador em qualquer parte do mundo e em tempo real. Impressionante. Nesse momento me dei conta de como as distâncias são relativas e a proximidade é imperante.

Martin interrompeu sua natação para uma sessão de fotos. Simpático ele não parava de sorrir e tampouco parecia cansado. Acho que uns dois meses depois ele chegou em Belém após completar 5.430 km de braçadas.

Logo depois desse histórico encontro, passamos por um posto da Polícia Federal. Os agentes foram cordiais e sequer exigiram documentações. Mas pasmem, não tinham internet! Perguntei a um dos mais jovens, um mineiro concursado que provavelmente não esperava ser mandado para tão longe, porque não instalava um sistema de internet como o do nadador. Ele justificou que seriam necessárias licitações, documentos e papeladas de Brasília, São Paulo e Manaus.

- Uma causa perdida, me disse constrangido.

A verdade é que é vergonhoso termos um posto da Polícia Federal tão próximo à fronteira com dois países (Colômbia e Peru) que sequer dispõe de acesso à internet.

Trabalhamos nos equipamentos de mergulho pelas próximas cinco horas. Começava a escurecer, quando chegamos a Tabatinga. O Peru estava a poucos metros subindo o rio na margem esquerda. A Colômbia à nossa direita no alto do barranco. Missão cumprida em território brasileiro.

05/03/2007 – Segunda-feira

Passamos oito dias na região de Tabatinga e Letícia (Colômbia). Em três desses dias fomos ao rio Javari sob a orientação do francês que mora em Bogotá, Yves Lafreve. Experiente mergulhador e “under-water-film-maker” Yves trabalha com os Cousteaus desde o tempo de Jacques.

No entanto, nossa ida a esse rio que delimita grande parte da nossa fronteira com o Peru foi praticamente inútil. Atracamos o barco em frente a uma pequena reserva particular chamada Palmari que pertence a um alemão residente em Bogotá. Não encontramos água com boa visibilidade para mergulho e tampouco vida selvagem

Um fenômeno pouco usual aconteceu quando estávamos por lá: o rio Javari baixou muito em poucos dias. Muito estranho pois nessa época era para as águas ainda estarem subindo. Milhares de peixes e outros animais morreram. O cheiro de podridão era terrível. Vimos peixes e até arraias penduradas em galhos de árvores que deveriam estar submersos.

Voltamos a Tabatinga onde passamos mais três dias providenciando a documentação necessária para deixar o Brasil. Saímos hoje, por volta das 11h da manhã, e entramos em águas peruanas. Para um observador atento, mas sem muito conhecimento sobre a vegetação, o cenário é exatamente o mesmo em comparação com o do lado brasileiro. Talvez existam mais ribeirinhos por aqui. No resto é tudo igual: o grande rio, suas águas marrons, a floresta imponente e sempre plana nos barrancos e um sol escaldante durante o dia. Até às 21h, navegamos tendo a Colômbia sempre a nossa direita e o Peru a nossa esquerda. Depois é Peru dos dois lados, o limite é um rio chamado Taquari.

07/03/2007 – Quarta-feira

Finalmente Iquitos. As instruções que tínhamos de nosso agente Mario Escobar na cidade peruana eram as seguintes:

“Desearía que informe al capitán de la nave que el día que arribe a Iquitos trate de comunicarse por costera por VHF por frecuencia 5885, que a partir de indiana ya tiene alcance y que deben de navegar de frente hasta el muelle de ENAPU para recepcionar la nave.

También le informo que día de hoy me han confirmado en ENAPU que podrían amarrar en una área pequeña que tiene ENAPU e costaría $ 25,00 diario, porque estar amarrado al muelle principal su costo es de $ 100,00 diario.

No es recomendable quedarse en bahía por ser peligroso en las noches.

Con relación al dinero, me sobra disculpar que no le haya confirmado su recepción, pero ya se encuentra en mi poder.

Sr. Max, desearía que nos enviar por mail la documentación del zarpe de la nave (Declaración general, rol de pasajeros, rol de tripulantes, store list, efectos personales, manifiesto de carga)”.


Iquitos é uma cidade ainda parada no tempo. A melhor informação diz respeito ao fato de ela ser a cidade onde está o porto fluvial mais distante do mar de todo o planeta. Se alguma mercadoria tem que sair de Lima para Iquitos, o caminho mais perto, caso avião não seja uma possibilidade, é ir pelo canal do Panamá, entrar no rio Amazonas via Belém e subir o rio por mais de 3 mil quilômetros. Nem precisa dizer o quanto é isolada. Ainda assim é a maior cidade da Amazônia peruana.

Uma boa maneira para se ter uma idéia de Iquitos é assistir ao filme “O Pantaleão e as visitadores”, inspirado no livro de mesmo nome do escritor peruano Mario Vargas Llosa.