16 / O Dono do lago.


A foz do rio Xixuaú fica a quatro horas subindo o rio Jauaperi a partir do rio Negro. A viagem começa no Amazonas e termina no sul de Roraima. Nesse trecho, tudo o que está à direita de quem sobe o rio é parte da Reserva Indígena Waimiri-Atroari.

Esse grupo vive numa aérea de mais de 2,5 milhões de hectares. Dentro dela passa a rodovia BR-174, que liga Manaus a Boa Vista e depois à Venezuela. Após a construção da hidrelétrica de Balbina, até hoje contestada graças à pífia geração elétrica comparada ao tamanho da área alagada, a Eletronerte destinou recursos para compensar os estragos causados. Foi então iniciado uma efetiva ação, conhecida como Programa Waimiri Atroari, que desde 1988 tem atividades múltiplas nas áreas de administração, saúde, educação, meio ambiente, apoio à produção, documentação e memória. Lê-se no site do programa (http://www.waimiriatroari.org.br):

- O objetivo pretendido foi o de que os Waimiri Atroari pudessem preservar dinamicamente sua autonomia cultural, a partir de uma inserção social em bases equilibradas, no contexto da sociedade nacional...

A base para nossas operações de mergulho na Amazônia foi a Reserva de Xixuaú, que pertence a uma associação de comunitários, entre eles um escocês chamado por lá de Cris. Ele coordena as atividades ligadas a turismo na reserva, que é muito procurada para a gravação de documentários por causa das águas transparentes e da abundante biodiversidade. Eles estão envolvidos na criação da futura Reserva Extrativista do baixo rio Branco que incluiria essa e outras áreas ao redor.

Reserva Extrativista - de domínio mínimo, é uma área utilizada por populações tradicionais, cuja sobrevivência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios da vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

Numa grande maloca está a maioria dos quartos e também uma grande cozinha e “sala-de-estar” que dispõe de uma boa biblioteca de férias com vários volumes sobre a Amazônia. A maioria dos livros, no entanto, é em inglês, alemão e italiano. Principais nacionalidades dos que se “aventuram” por ali.

Ver finalmente todo o nosso material de mergulho e operações aquáticas em uso era bastante motivador. Fiz vários mergulhos de máscara, pé-de-pato e snorkel. Uma roupa de borracha somente para ficar mais tempo em baixo dágua.

A variedade de peixes e bichos é incrível: tucunarés, pintados, piranhas, peixes de rabo vermelho, arraias, tartarugas. Era possível avistar tudo isso sem grandes esforços. Claro que quanto mais tempo na água maior a recompensa.

A água é bem transparente. Mergulhar em uma floresta inundada é uma experiência quase mística. As formas, os ângulos, as sombras e os contrastes formam visuais difíceis de descrever.

Bem diferentes do mar é verdade.

Fomos avisados que a seis horas de voadeira da nossa base existiam cinco grandes lagos e que a possibilidade de avistar peixes-boi, ou manatis, era grande. Rapidamente montamos uma equipe formada por nosso câmera, uma fotógrafa, uma mergulhadora, quatro guias, uma cozinheira e eu. Partimos no dia seguinte cedo em dois botes de borracha com motor de 30hp, uma rabetinha e três canoas de madeira.

Entre os guias o mais velho e experiente era o “seu Carlito”, profundo conhecedor dessa região. Era assustador seu poder de percepção e sensibilidade em relação aos fenômenos naturais. Mais de uma vez ouvi dizerem que ele tem uma metade bicho.

Até onde montamos nosso acampamento, a poucos minutos de um dos lagos, foram seis horas de viagem. Parte delas subindo novamente o Jauaperi e a outra subindo um afluente chamado Xiparina. O acampamento ficou confortável, duas barracas, uma grande lona que cobria os alimentos e o fogão. Os locais dormiram todos em suas redes amarradas às arvores em volta. A comida sempre a mesma: arroz, feijão, farinha e peixe-frito. Muito bom por sinal.

Durante cinco dias a mesma “rotina”: mergulhar e pescar para comer. A abundância de peixes era tão grande que bastava alguns arremessos com linhada e isca artificial para garantir a próxima refeição. Quem gosta de pescar sabe a emoção de fisgar um tucunaré.

Durante um de nossos mergulhos resolvi explorar o lado oposto do lago onde a equipe realiza as filmagens. Quando investigava dois troncos de árvore submersos, notei que ao lado havia uma forma que em nada parecia uma planta. Era muito grosso no meio e ia se afunilando na direção do barranco. Tomei fôlego e desci uns dois metros. Qual não foi meu espanto quando quase trombei num jacaré-açu de uns 6 metros de comprimento.

Como se fosse o dono do lago, o bicho estava lá no fundo, quieto, como se nem notasse minha presença. Meu coração disparou, uma mistura de medo e adrenalina tomaram conta do meu corpo e por alguns instantes paralisei. Pensei em nadar para longe, mas tive medo de que ele me perseguisse. Me senti como uma presa. Aos poucos fui batendo a perna e saindo de onde estava. Quando me senti seguro comecei a gritar, a berrar.

Matt, o cameraman, se esquentava no sol da manhã depois de horas de mergulhos ininterruptos. Foi difícil convence-lo a voltar para a água, mas um bicho daquele tamanho sem dúvida valeria a pena. Identifiquei o local do jacaré por uma árvore no barranco próximo. Ele que já mergulhou com tubarões branco e há anos mergulha mundo à fora com os Cousteaus quase não acreditou no que viu. Ficou tão chocado que na primeira tentativa sequer conseguiu apontar a câmera. Voltou para a superfície e com os olhos arregalados soltou um genuíno “Oh my God!”. Na segunda vez captou algumas imagens, mas que por falta de escala não dão conta do tamanho daquele réptil. Para mim foi uma experiência traumatizante e naquele dia não consegui voltar pra debaixo dágua.