10 / Uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável.


Durante todas as expedições que realizamos, o líder foi um sujeito engraçado e experiente chamado Don Santee. Don já passou dos cinqüenta e, há mais de trinta anos, roda o mundo em busca de aventuras e mergulhos. Ele foi um dos mergulhadores na expedição da década de oitenta, e é uma espécie de velha geração de exploradores que ainda mantêm o espírito incansável de buscar o desconhecido.

Don adora contar os causos que passou ao lado de Jacques Cousteau, com quem começou a viajar e mergulhar. Uma dessas expedições aconteceu no começo da década de oitenta. Segundo ele, o que mais mudou na Amazônia nesses últimos 25 anos foi a questão da regularidade e controle das áreas. Quando me disse isso, estava bastante influenciado pelos dias que passamos em Mamirauá, ou melhor, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

Para cada decisão de onde filmar ou qual local explorar era necessário consultar as pessoas responsáveis, ter guias acompanhando e até respeitar limites de velocidade em nossas voadeiras. No entanto, essa evidente organização política, educacional, institucional, ambiental e funcionando é ainda muito escassa na nossa Amazônia. Mamirauá é um exemplo a ser seguido.

Acompanhei o trabalho de filmagens organizando operações diárias de ida à campo e adaptando-as a uma logística razoável. Durante duas semanas, passava horas envolvido com barcos, guias, refeições e buscando novas histórias, contos e cantos. O que mais me chamou atenção é um projeto de manejo de tartarugas (Tracajás e Içanas) coordenado por um atencioso paraense chamado Paulo Henrique. Nas oito comunidades envolvidas, Paulo ensina técnicas simples de identificação de ninhos e remoção para lugares mais seguros. Depois, busca-se a temperatura ideal para gestação, já que poucos graus de diferenciam qual será o sexo do animal. Dezenas de tartaruguinhas nascem das ninhadas e ainda são alimentadas e cuidadas por uns dois meses antes de serem soltas pelos moradores.

Boa parte da comunidade, principalmente as crianças, acaba envolvida com o projeto mesmo que indiretamente. Depois de perderem o cheiro de ovo que é muito atrativo a predadores e ter casco mais fortalecido as tartaruguinhas são liberadas na praia. Instintivamente todas vão rapidamente para a direção do rio. Emociona assistir a esse espetáculo. Indiretamente o projeto preserva muitos outros animais, principalmente pássaros que também usam as praias, agora protegidas, para desova.


Segundo o Ministério do Meio Ambiente, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável é área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se na exploração de recursos naturais e que desempenham papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica; visitação pública condicionada ao Plano de Manejo; domínio público.

Mamirauá tem alojamento pra turistas e um ótimo programa de ecoturismo. A região é fascinante e a biodiversidade incrível. Durante boa parte dos dias que passamos por lá o aeroporto de Tefé, a cidade mais próxima, estava fechado devido à quantidade de urubus perto da pista. Essa total falta de atenção do poder público local mostra imaturidade e falta de visão, afinal qual é o turista que nos dias de hoje pode “gastar” três ou quatro dias viajando para chegar ao seu destino. O turismo na Amazônia e todos os benefícios associados a essa atividade econômica dependem fundamentalmente de um transporte aéreo eficiente e regular. É o mínimo que se pode esperar de um poder público comprometido com o desenvolvimento sustentável dessa região.

Depois de muitos dias na reserva e muitas tentativas frustradas, finalmente avistamos um grupo de Uacari Branco. Esse exótico macaco branco de cara bem vermelha é endêmico dessa região, ou seja, não existe em outros lugares. O grupo se alimentava de uma castanha localmente conhecida por Matá-Matá. Durante dois dias inteiros, ficaram totalmente indiferentes à nossa presença do outro lado do lago.

Foi por conta de estudos sobre esses primatas realizados pelo falecido pesquisador Márcio Ayres que começou o movimento que acabou resultando na criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá.