03 / O Garimpo não é mais como antigamente.


O ouro levou muita gente para a Amazônia. A ilusão de riqueza imediata fez com que muitos se aventurassem nos mais diferentes garimpos dessa imensa região. O rio Madeira foi palco de muitas dessas empreitadas que fizeram a fortuna de poucos e custou a vida de muitos outros. Toneladas desse precioso minério foram extraídas de seu leito principalmente durante a década de oitenta.

Há aproximadamente 20 km ao norte da vila de Jaci Paraná, na Rondônia, logo acima das corredeiras do Jirau, tem um pequeno assentamento chamado ‘2 irmãos’. De lá saem as voadeiras que levam os garimpeiros para as Dragas que restaram da febre do ouro que ocorreu na região há duas décadas. É provável que restem entre 80 e 100 dragas trabalhando acima da corredeira do Jirau até a fronteira com a Bolívia. São poucos os brasileiros que extraem ouro Bolívia a dentro. Também não se vê bolivianos garimpando em águas brasileiras.

Logo que cheguei ao barranco do assentamento conheci um tal Cabeção. Olhos bem azuis espremidos num rosto enorme, arredondado e queimado do sol. Totalmente bêbado ele disse para me juntar a um grupo de “meninas” para um passeio pelas dragas.

A prostituição é praticamente uma atividade complementar ao garimpo. Elas estavam em três e chegaram numa sexta-feira para trabalhar durante o fim de semana. O programa é feito nas próprias dragas ou em algum flutuante próximo. A que mais chamava atenção era a “Xuxa”, morena com cabelos até a cintura totalmente tingidos de loiro.
Enquanto passávamos pelas dragas, “Xuxa” ia distribuindo beijinhos aos homens exaltados que gritavam e acenavam num episódio bizarro.

Além de cabeção, as três meninas e eu, estava em nossa voadeira um sujeito apelidado de baixinho. No dia anterior ele havia encontrado algum ouro. Alegre de pinga e cerveja não conseguia se decidir com qual das três ele queria ficar, a cada minuto beijava e babava numa delas.

Num certo momento, cabeção levantou sua camiseta e mostrou orgulhoso o cabo de seu 38 enfiado entre as calças.

- Meu Deus! Que é isso? Perguntou uma delas.

- Tu tá no garimpo minha família. Ta achando o que? Respondeu cabeção.

Baixinho pra não ficar fora do diálogo perguntou:

- Mataram o Nascimento é?

- Sei não rapaz...

- Também, diz que ele tava roubando mais do que onça.

- Há! Então boiou por aí...

Em cada draga trabalham cinco pessoas 24 horas por dia em turnos separados. Enquanto em algumas só há homens em outras trabalham toda uma família. Uma draga é basicamente uma balsa de dois andares. Serve de casa, tem quarto e cozinha no andar de cima. A mobilidade permite procurar novos lugares ao longo do rio sempre que necessário.

No “térreo” da draga tudo o que se vê é para a extração do ouro. Tem um grosso tubo que suga a areia do fundo do rio e a joga numa grande peneira. É nessa areia que está o pozinho de ouro que uma vez misturado com o azougue, ou mercúrio, fica mais pesado e vai para o fundo da peneira. Depois se queima o azougue e, quando há sorte, conseguem formar algumas pepitas.

Perto do garimpo quase não há circulação de dinheiro, tudo é trocado por “gramas”, de diesel à alimentação. Quando é necessário comprar mantimentos para mais tempo eles cruzam a fronteira e fazem a compra na Bolívia. Lá também se troca por ouro.

O dono de umas dessas dragas me disse que por mês consegue tirar até 1,5 kg de ouro, sendo que naquele dia a grama valia 40 reais. Depois de dividir com os outros já não sobra muito. Resignado ele completou:

- Mas já não é mais como antigamente quando agente ganhava muito dinheiro. Muitos gastavam tudo em Porto Velho, mas outros compraram fazendas e imóveis e até hoje vivem muito bem.

Quando uma draga acha um bom local de ouro, o segredo dura pouco e muitas outras vêm tentar a sorte no mesmo lugar. Juntam-se umas as outras e formam o que chamam de “fofoca”. Nesse dia vi uma fofoca de mais de 20 dragas. Quando o ouro se esgota, elas se separam e vão tentar a sorte por si só.