17 / Alta Floresta e o arco do desmatamento.


Apesar da chuva que caía nos últimos dias, a estrada que liga a fazenda Bacaeri ao município de Alta Floresta estava em boas condições. Não é asfaltada, mas é uma boa estrada de fazenda. Alta Floresta é um dos últimos municípios do norte do Mato Grosso, já está bem perto da divisa com o Pará. Por aqui passa o chamado “arco do desmatamento”, que nada mais é que o caminho por onde avança a nova fronteira agrícola no Brasil. Entrando cada vez mais em território amazônico, ocupando áreas de floresta e deixando para trás outras tantas abandonadas.

Quem me leva até lá é Antônio Passos, o proprietário da Bacaeri. De óculos, bem humorado e beirando os 50 anos, seus olhos brilham quando conta a respeito da sua plantação de Teca.

- A Teca é uma árvore que em 25 anos após ter sido plantada produz uma madeira de excelente qualidade estética e industrial.


Em sua propriedade de 20 mil hectares a plantação de Teca ocupa aproximadamente 5% da área. Segundo ele, graças ao clima tropical da região amazônica é possível colher a madeira na metade do tempo de países concorrentes como a Indonésia, onde o ciclo pode durar meio século. Isso em economia chama-se de vantagem comparativa.

Outros 40% são usados para uma pecuária de corte extensiva e o resto é de floresta impedidos de vir abaixo pelo código florestal. Isso porque Antônio “abriu” sua fazenda antes de 2001, quando uma medida provisória do governo Fernando Henrique passou a permitir somente 20% de desmate. Na prática são poucos os que respeitam o código florestal, Antônio é exceção, mas deixamos essa discussão para um outro momento.

Vendo aqueles bois pastando me fez lembrar da minha infância na fazenda. Sabendo da crise por que passa a pecuária nos últimos anos, principalmente pelo baixo preço da arroba que é o mesmo de quatro ou cinco anos atrás, perguntei ao Antônio se essa atividade dava dinheiro. Ele me respondeu calmamente:

- Eu encaro a pecuária como se o dono dos bois, que sou eu, e o dono da terra, que sou eu também, fossem duas pessoas diferentes. O dono dos bois paga um aluguel pela terra para engordar seu rebanho e no fim do ciclo até consegue ter algum retorno. Nada muito além do rendimento da poupança. Já o dono da terra dá até vergonha. A renda é pra lá de negativa. Se pegar o valor investido, ou seja, quanto custou à fazenda sem nada em cima, e comparar com os rendimentos futuros da pecuária, jamais vou recuperar o investimento. No entanto, há sempre a especulação imobiliária. Voluntária ou involuntária. Em poucos anos o valor da mesma terra pode dobrar ou mesmo quintuplicar.

Resumindo: o sujeito compra uma área, desmata e enche de bois. Não ganha nada com essa atividade, mas garante a posse da terra. Depois de alguns anos ele vende a propriedade pelo triplo do preço que pagou e com o bolso cheio de dinheiro vai comprar uma outra área muito maior, geralmente mais pro norte. Profissionais nesse lucrativo e desregulado mercado enriquecem. O ciclo continua, Amazônia adentro.

Antônio não se considera um desses profissionais, ao menos não voluntariamente, mas seu caso é bem ilustrativo das pessoas que migraram para essa região em busca de melhores oportunidades. Uma das diferenças é que ele é um dos poucos bem sucedidos. Com vinte e poucos anos veio do Paraná com um tio seu e se instalaram na cidade de Cláudia, também no norte do Mato Grosso, onde iniciaram uma madeireira. O negócio deu muito certo o que permitiu que comprassem essa área de 20 mil hectares em Alta Floresta. Com à pressão de órgãos como o Ibama e toda a pressão sobre a atividade madeireira ele abandonou a indústria e hoje ocupa-se somente com a fazenda.

Alta Floresta, como muitas outras cidades no arco do desmatamento, foi colonizada com o esforço do governo militar. O lema era “Integrar para não entregar”, dizem que era o receio de que estrangeiros tomassem a nossa floresta amazônica, mas era mesmo um projeto de integração em larga escala. Só possível pra um governo central e autoritário.

O colonizador aqui foi um “formador de cidades” chamado Ariosto da Riva. Ele recebia glebas do governo federal e ficava responsável por dividi-la e atrair produtores. A cidade de Naviraí no Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai, também foi iniciada por ele.

Outro rapaz muito interessante que conheci chama-se Jânio e é dono de uma pequena empresa de táxi aéreo em Alta Floresta. Alugamos um de seus dois Cesnna 206 para fazer alguns sobrevôos ali em volta e também na região do município de Sorriso, que é a área mais ao norte do Mato Grosso onde já se planta soja. Em Alta Floresta não há soja e dificilmente terá por causa do terreno mais acidentado e coberto de rochas.

Enquanto tirávamos à porta do pequeno avião tivemos nossa primeira conversa. Antes todo o nosso diálogo se resumiu a negociar o valor das horas de vôo. Ele me disse que começou a voar na época do garimpo, décadas de 60 e 70. Antes das primeiras fazendas serem abertas.

Graças a sua profissão de piloto, Jânio tem uma visão privilegiada das mudanças ocorridas nos últimos 40 anos. Ele viu tudo de cima.

- Foi o próprio governo que abriu as portas disso aqui, incentivando os imigrantes. Agora começa a fazer repressões. Gastam milhões em operações aéreas e repressões. Mas é tudo maquiagem. Em ano político a fiscalização afrouxa e fica com tanta fumaça das queimadas que tem dias que nem dá para voar. E ainda não tem nada previsto e nem programado para essa região, ou seja, ainda não tem solução nem pro longo prazo.

Esses dias em Alta Floresta e nossas horas de vôo na região me ensinaram que repressão desvinculada de política pública e planejamento é um gasto de tempo e dinheiro. Se o problema é econômico, a solução também deve ser. O resto é maquiagem.