18 / De Manaus a Iquitos. (Parte I)


Esse texto é a reprodução do meu diário de bordo, que mantive durante uma viagem que começou em Manaus e me levou até Iquitos no Peru. Sempre subindo o rio Amazonas. No total foram mais de 20 dias, mas com diversas paradas ao longo do caminho.

19/02/2007 – Segunda-feira

São seis e pouco da tarde no horário de Manaus. Duas horas a menos que Brasília por causa do horário de verão. Escrevo do meu quarto, o Pirarucu, se bem que há uma tartaruga talhada do lado de dentro da porta. É segunda-feira de carnaval, mas daqui do porto mal dá pra perceber.

Os últimos dois dias foram ocupados comprando o “rancho” – alimentação para os próximos 40 dias. O barco vai chegar a ter mais de trinta pessoas em alguns momentos, sem contar a tripulação que passa de dez. Dessa vez teremos um “chef” a bordo. Um norte-americano gordinho e baixinho. Se ele cozinhar como fala de si mesmo a comida vai ser ótima. Jeff é o chefe de cozinha do Los Angeles Lakers e ele adora repetir isso.

A maior parte da preparação do barco para essa longa viagem já havia sido feita pela tripulação, sob orientação do nosso capitão Maciel.

Meu quarto é um pouco maior do que eu havia usado na primeira perna da expedição. Dois metros quadrados. Ao menos dá para esticar as pernas. Até Tabatinga, última cidade em território brasileiro, a previsão é navegar dia e noite por 6 dias.

20/02/2007 – Terça-feira

Como programado nosso barco, o Ariaú Açú, zarpou do porto de Manaus às seis e meia da manhã. O café da manhã foi a base de ovos, como seria pelos próximos 40 dias.

A Pantera Negra uma lancha rápida com capacidade para 20 pessoas e o Marck 5 um bote de borracha com dois motores de popa de 75hp foram amarrados ao nosso barco, formando a fila: Ariaú Açu – Pantera Negra – Marck 5.

Fiquei acordado até quando passamos por Iranduba quatro horas depois. Depois o dia passou devagar como era de se esperar. Floresta e rio. Bonito, mas monótono.

O desempenho do barco está bem melhor que na última vez. Estamos mais leves, o motor foi todo revisado e as hélices trocadas. O capitão Maciel está confiante que chegaremos a Tabatinga no quinto dia. Viajando dia e noite.

Precisamos encontrar um prático em Tefé. De lá para cima ninguém a bordo tem experiência. Provavelmente será um senhor chamado Cristóvão. Ele nos alugou sua voadeira da outra vez e disse conhecer bem a região. Sugeri também que contratássemos um vigia para reforçar a segurança. Há muitos casos de pirataria no alto Solimões, principalmente na região de Tabatinga, fronteira com Colômbia e Peru.

21/02/2007 – Quarta-feira


Hoje, consegui começar uma tímida rotina. Zim é responsável por toda a operação náutica da expedição. Conhece tudo de motor e equipamentos de mergulho. Foi um bom professor, apesar de um pouco confuso. Passamos as primeiras horas do dia montando os dois outros botes de borracha, chamados de Mark 3. Cada um usa um motor de popa de 30hp.

Nosso local de “trabalho” é o terraço do Ariaú Açu que é bem espaçoso e foi projetado para ser um heliponto.

Foi nessa manhã que passamos em frente a Câmara. Fica na margem esquerda para quem sobe o rio, como todas as outras cidades e vilas. Sempre na margem esquerda pra quem sobe ou direita pra quem desce. Roberto, nosso marinheiro de máquina e um tipo “faz tudo”, me disse que esse lugar era usado para plantações de maconha, mas que a Polícia Federal acabou com tudo anos atrás. Hoje o que se vê são belíssimos sítios com plantações de frutas tropicais. Pés de açaí e pupunha carregados. Uma fartura.

Já passava do meio dia quando passamos por Coari.

Ali bem próximo, a Petrobrás administra a província petrolífera de Urucu e tem atividades de extração de petróleo e gás natural. Esse último ainda será extraído. No dia 2 de junho de 2006, o presidente Luís Inácio Lula da Silva inaugurou oficialmente o início das obras de um gasoduto que levará essa forma de energia até Manaus, capital do Amazonas. Jornais regionais anunciaram o ato como o começo da era do gás natural . Por pouco mais de uma hora tivemos sinal de celular, graças às torres de Coari. Por alguns minutos você deixa de lado a monotonia da lenta subida e se vê ao lado de uma pessoa querida. Foi só quando acessei esse outro “mundo” que me dei conta que era quarta-feira de cinzas.

Nas horas mais quentes do dia durmo. Escrevo antes do almoço e depois da sesta. No fim da tarde, faço um pouco de musculação com uns pesinhos que trouxe de Manaus e curto o pôr do sol. Cada dia diferente e cada dia mais bonito.

22/02/2007 – Quinta-feira

Às 5h em ponto, Maciel bateu na porta da minha cabine avisando que estávamos em Tefé.

Paramos o barco em frente à rampa principal da cidade enquanto aguardávamos o dia amanhecer. Com um pouco de claridade, pude perceber que dessa vez a enorme praia em frente a cidade estava completamente submersa. É a cheia na Amazônia e tudo fica diferente.

Nos cobraram 15 reais para amarrar o Ariaú Açu num velho flutuante.

O Pontão (posto de gasolina) abriu e abastecemos o Ariaú com 4016 litros de diesel. Outros 684 litros no tanque da Pantera Negra e mais 1100 litros de gasolina em galões para operar nossos motores de popa. Dona Conceição, nossa cozinheira, e suas duas ajudantes aproveitaram para comprar farinha, frutas, verduras e alguns peixes frescos. A comida tem sido excelente.

Encontramos o Sr. Cristóvão que supostamente seria nosso prático até Tabatinga, mas ele confessou que só conhecia até Jutaí, meio do caminho. Indicou um amigo seu chamado Sadi.

Duas horas e meia depois e R$ 13 mil em combustível, zarpamos. Passava pouco do meio dia. A viagem pela tarde seguiu tranqüila. O dono do Pontão onde abastecemos me deu duas bolas de futebol que acabaram virando meu passatempo favorito. Fico chutando contra os botes salva-vidas do barco e batendo embaixadinhas. É preciso alguma habilidade para não mandar a bola pro rio Amazonas. Perdi uma delas dias depois.

Sadi realmente conhece bem o rio. Ele está sempre evitando o curso principal e usando todos os possíveis furos (atalhos). Assim a viagem fica mais bonita e menos monótona.

23/02/2007 – Sexta-feira


Fiz o turno de vigia das 4h até às 6h da manhã. Logo achei justo dormir até às 8h. Quando abri a cortininha da cabine avistei Fonte Boa.

Subindo o Solimões todas as cidades ficam do lado esquerdo, ou na margem direita para quem desce, como é o correto dizer.

Zim e eu ligamos o compressor de ar que estava na proa e passamos o resto da manhã enchendo os tanques de mergulho. Enchemos 6 tanques de 80 “cubic feet” cada um.

Durante a tarde o único trabalho foi decidir o próximo local para abastecer. Ao invés de Jutaí, por onde passamos por volta da 17h, optamos por abastecer na manhã seguinte em Santo Antônio do Iça.

A foz do rio Jutaí com o Solimões forma paisagens deslumbrantes. Aqui bem perto está a Estação Ecológica Jutaí-Solimões.

24/02/2007 – Sábado


Dormi mal e acordei tarde. Às 7h30. Logo depois chegamos a Santo Antônio do Iça onde completamos o tanque do Ariaú-Açú. Outras duas horas e meia de abastecimento e 3 mil litros de diesel.

Quando Zim e eu curtíamos o vizual do terraço do barco, presenciamos o fenômeno natural mais incrível de nossas vidas, da minha pelo menos. Primeiro foi um grande estalo. Como um tiro vindo da mata próxima. Navegávamos a poucos metros do barranco. Logo depois, quase na nossa frente, uma árvore do tamanho de uma castanheira adulta veio abaixo lentamente. O som é inigualável. Creq, creq, creq, creq ... Foi uma queda em câmera lenta até que a imensa e verde copa mergulhar nas águas marrons e fortes do Amazonas. Tudo bem ali. Na nossa frente. Há poucos metros. Naquele momento exato, o tempo parou e a Natureza nos mostrou do que é capaz e como age. É o milenar ciclo desse grande rio, o maior do mundo, que constantemente vai alterando o seu curso e forçando novas passagens e paisagens. Sem mais palavras.

Agora de noite, pegamos nossa primeira grande tempestade, ou melhor, foi ela quem nos pegou. O rio fica ainda mais selvagem quando iluminado pelos raios.